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segunda-feira, 8 de junho de 2009

A lei de acesso ao território brasileiro

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A lei de acesso ao território brasileiro

Belarmino Van-Dúnem|*

A lei nº 9.076, de 10/07/95, que define o Estatuto do Estrangeiro no Brasil, não prevê outros condicionalismos para entrar em território nacional senão o visto concedido pelo consulado.
Segundo o artigo 1°, “em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais”. Portanto, fazendo fé nas declarações do embaixador do Brasil em Angola (os vistos apresentados pelos cidadãos angolanos impedidos de entrar no território brasileiro são autênticos) e, tendo a certeza de que aqueles cidadãos não perigavam nem perigam a segurança nacional brasileira, não existe matéria legal para impedir o acesso ao território brasileiro e o consecutivo repatriamento.
O artigo 2º da mesma lei estabelece: “Na aplicação desta Lei atender-se-á precisamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socio-económicos e culturais do Brasil, bem assim como à defesa do trabalhador nacional”. Atendendo a esses pressupostos cabe analisar qual deles está na base das acções que as autoridades brasileiras têm tido com relação aos angolanos, mas também é necessário reflectir, com base nos interesses superiores nacionais de Angola, quais as melhores acções para ultrapassar a situação de tensão que está a criar um certo mal estar e repugnância na sociedade angolana.
O artigo 4º define os seguintes tipos de visto: I - de trânsito; II - de turista; III - temporário; IV - permanente; V - de cortesia; VI - oficial; e VII - diplomático. A leitura que se pode fazer da definição do Estado brasileiro para estes vistos, os cidadãos angolanos, na situação aqui analisada, só poderiam ter o segundo tipo de visto, ou seja, o visto de turista. Tendo em consideração que, à luz do artigo 9º da mesma lei “o visto de turista poderá ser concedido ao estrangeiro que venha ao Brasil em carácter recreativo ou de visita, assim considerado aquele que não tenha finalidade imigratória, nem intuito de exercício de actividade remunerada”.
Já é do conhecimento público de que a maior parte dos cidadãos angolanos impedidos de entrar em território brasileiro, com visto legal, pretendia fazer compras com o intuito de revender em Angola. Portanto, pode ser considerado que aqueles cidadãos iam em negócio e possuíam visto de turismo.
Mas não deixa de ser verdade que a lei aqui analisada até ao momento não prevê visto de negócio. Poderíamos concluir que os cidadãos angolanos que pretendam deslocar-se ao Brasil para o efeito (fazer compras) não têm outra alternativa legal.
Mas o site da embaixada do Brasil em Luanda – sector consular (consulta feita aos 04/02/09 - 20h:30), na categoria dos vistos temporais, estabelece um visto de negócios (visto temporário II – Negocio), este visto pode ser concedido aos cidadãos “que viagem ao Brasil sem remuneração em território nacional”. Nesta categoria de visto enquadram-se perfeitamente os cidadãos angolanos que se deslocaram ao Brasil e foram impedidos de entrar naquele território, sendo repatriados sem justa causa, portanto, um atropelo flagrantes ao direito internacional que estabelece as relações entre os Estados.
Na secção desta categoria de visto (visto temporário II – Negocio), há um item, destacado a “negrito” (Compras – Trabalho informal) cuja documentação exigida para à concessão do mesmo visto é a seguinte: cartão de vendedor ambulante; cartão de contribuinte; DAR; cópia do alvará e; carta do local de trabalho (mercado); os emolumentos consulares são de US$ 60 (sessenta dólares) e US$ 10 (dez dólares) adicionais caso a documentação dê entrada no consulado por via de terceiros que estejam em condições legais de o fazer.
O site da Embaixada do Brasil em Luanda não apresenta qualquer outra condição para entrar em território brasileiro se não o visto. Alias, segundo a lei federal brasileira “o visto é uma permissão federal que o Brasil concede para que o estrangeiro possa ingressar no País”.
Portanto, se os cidadãos angolanos impedidos de entrar em território brasileiro possuem o visto, elemento essencial e legal para ter acesso ao território brasileiro e estavam acompanhados do Certificado Internacional de Vacinação contra a Febre Amarela, cuja falta implica o impedimento de entrada em território brasileiro e respectivo repatriamento, as pessoas deviam terminar a sua viagem sem qualquer impedimento. Portanto, só a falta daquele certificado ou qualquer outro comportamento doloso à lei brasileira e/ou internacional poderia justificar o ocorrido.
Se legalmente não existe qualquer justificação para as autoridades brasileiras agirem como tal, o que estará a motivar essas acções? Qual deve ser a posição do Estado angolano e dos cidadão directamente visados?
Uma primeira explicação pode estar no novo posicionamento de Angola com relação à migração. Actualmente, o território angolano é um destino de imigração e, atendendo à este facto, as autoridades brasileiras podem estar a reagir contra às regras que existem para à concessão de vistos aos cidadãos daquele Estado que lhes permita entrar no território angolano. Lembremos que o Embaixador brasileiro acreditado em Angola fez questão de frisar que “nos últimos cinco meses deste ano já foram concedidos mais de 13 mil vistos a cidadãos angolanos, principalmente para turismo, negocio e estudo”; afirmou também que “em 2008 houve momentos em que foram concedidos cerca de mil vistos de curta duração a angolanos por semana”, e que o Brasil, de forma unilateral, decidiu conceder vistos de curta duração com múltiplas entradas com a validade de um ano aos cidadãos angolanos.
Todos esses argumentos podem espelhar alguma frustração no que se refere à um tratamento igual. Mas é evidente que as condições e os interesses dos cidadãos brasileiros que pretendem entrar no território angolano não são as mesmas que a dos angolanos que viajam para o Brasil. Portanto, pode existir a intenção de criar alguma tensão para que o Estado angolano tome uma outra medida com relação ao cidadãos brasileiros, alias, o Brasil fez o mesmo com Portugal e conseguiu os seus intentos.
O Estado angolano deve analisar a situação atendendo os mais altos interesses nacionais e protegendo os seus cidadãos contra humilhações ou qualquer outro tipo de tratamento que fragilize a imagem do país e atropele as leis internacionais que estabelecem as relações diplomáticas e consulares, nomeadamente, as convenções de Viena de 1961 e a de 1963. Mas também deve atender aos fundamentos da política externa, nomeadamente, à efectividade da acção a ser tomada e aos interesses económicos de médio/curto prazo.
Os cidadãos visados devem exigir uma indemnização pelos danos materiais/morais causados e procurar todos o meios legais para que seja respeitada a lei brasileira de acesso aquele território.
Caberá também às organizações da sociedade civil em Angola dar o apoio necessário para que tal se concretize, auxiliando o governo angolano na defesa dos direitos dos cidadãos nacionais. Estariam mostrar que são, de facto, organizações da sociedade civil e defensores dos direitos humanos e/ou civis.
As autoridades brasileiras estão a transgredir a sua própria lei. O repatriamento dos cidadãos angolanos nessas condições constitui uma falta de coerência com base no reconhecimento e na reciprocidade de tratamento já que os cidadãos angolanos estavam legalmente documentados. Não tendo justificação legal, oficial e plausível, o Brasil está a desenvolver acções que podem ser classificadas como patologia diplomática, reprováveis à luz do Direito Internacional.
Urge voltar à diplomacia legal, ao diálogo, à informação e à negociação para se ultrapassar esta situação pouco amigável e deselegante, que não coincide com a imagem do Brasil perante os angolanos, nem com os laços históricos e sociais existentes entre os dois Estados.

* Professor universitário e analista de assuntos internacionais

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